Publicidade e Tristeza
As televisões passaram a gostar de nos convencer de que não há esperança para qualquer tipo de relação humana. Os telejornais privilegiam a pornografia dos fait divers e as guerras do futebol: o vazio mental e o conflito automático tornaram-se as únicas leis de percepção do mundo. Os reality shows ou afins, mesmo quando pregam uma "solidariedade" beata, não são mais do que palcos para a exaltação de sentimentos grosseiros e egoístas. Os concursos consagram a infantilização militante de concorrentes e audiências: neles se proclama que quanto mais patetas formos, mais felizes seremos. Enfim, a avassaladora mediocridade "telenovelesca" também não ajuda, reduzindo o mundo a uma colecção de traumas anedóticos: morais para os adolescentes, sexuais para os adultos (ou o contrário, o que vem a dar no mesmo).
Convenhamos que não é fácil resistir a tanta depressão. E tanto mais quanto tudo nos é servido com um aparato de felicidade cuja falsidade visceral se espelha em muitos rostos crispados, desde os leitores de notícias até aos procuradores apócrifos da nossa felicidade.
Que resta, então? Em boa verdade, só um espaço televisivo nos garante alguma felicidade (ainda) possível nas relações com os outros. Que espaço é esse? A publicidade, claro. Aí ficamos a saber que o equilíbrio da nossa família pode depender do iogurte certo ou que a boa vizinhança se constrói a partir de um bom detergente. Mais ainda: a verdadeira comunidade (mais do que nacional, potencialmente galáctica) só pode nascer do facto de usarmos todos a mesma rede de telemóveis...
E não deixa de ser curioso que vivamos num mundo televisivo que se especializou em formas obsessivas de escrutínio e julgamento, a ponto de nos forçar a confundir o nosso estatuto de espectadores com a condição de jurados num "tribunal" mediático.
É nesse mesmo mundo que a publicidade, todos os dias, muitas vezes por dia, nos instila valores, modos de pensar e modelos de comportamento.
Se nada dizemos sobre isso, talvez estejamos tão esvaziados como as plateias de alguns programas televisivos: estão lá para transmitir alegria e espontaneidade, mas, de facto, são feitas de rostos vencidos, apáticos, irremediavelmente tristes.
Fonte: in diario de noticias
Recolha & Postagem: Igor Pinto
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